Arcabouço da gestão empresarial

Uma boa maneira de entender onde, como e para quê a gestão empresarial acontece é pela (adaptação do) modelo proposto por Kano (1983): a figura de uma casa – metaforicamente representando uma empresa – onde os propósitos (o telhado), os alicerces (a fundação) e os meios (os pilares) da gestão são vistos de modo inter-relacionados.

Analisando o modelo, percebemos que seus elementos (telhado, fundação e pilares) constituem a estrutura, o arcabouço, da gestão empresarial. Dando sustentação à estrutura, o alicerce da casa, aparece a tecnologia intrínseca ao negócio. Formando o chão da casa, a base por onde o empreendimento caminha, surge a motivação para a condução do negócio. Os pilares da casa (da gestão empresarial), que mantém a organização firme e segura em sua jornada, são constituídos pelos princípios, as técnicas de gestão e seus veículos. E, formando a cobertura da casa, a segurança almejada, aparecem os propósitos a serem alcançados pela organização, partindo da garantia da qualidade para seus desdobramentos: produtividade e competitividade, levando à sobrevivência e avançando para a prosperidade do empreendimento.  Vamos entender melhor cada um desses elementos…

A tecnologia intrínseca (a fundação da casa), que dá origem ao empreendimento: os produtos, bens e/ou serviços, que a empresa vai entregar aos clientes. É a especificação de o que se produzirá e como. Sem esse know-how técnico o empreendimento não existe. Ele tanto pode ser desenvolvido internamente, a partir de um conhecimento inicial básico de um de seus fundadores, como ser adquirido de terceiros.

Estabelecida a tecnologia intrínseca, a construção do empreendimento passa pela motivação das pessoas que compõe a organização. Sem motivação nem a melhor tecnologia ira vingar. Na essência, um empreendimento, uma empresa, nada mais é do que uma organização de pessoas trabalhando para a realização de objetivos comuns. Assim, sem motivação, essas pessoas não conseguirão empreender o esforço necessário. A motivação forma o caminho (o chão da casa) por onde a organização irá percorrer, perseguindo a realização de seus objetivos.

Com know-how tecnológico e motivação, o empreendimento já consegue se mostrar ao mundo. Mas, para permanecer firme e constante na busca de seus objetivos, sem se perder pelo caminho, precisa desenvolver ou adquirir outro know-how, a tecnologia gerencial. Na essência, essa tecnologia é formada por três elementos-chave (os pilares da casa): os princípios, as técnicas e os veículos da gestão empresarial.

Princípios são fundamentos da gestão, essenciais para correta seleção das técnicas e dos veículos de gestão a serem utilizados (p. ex., trabalhar com dados & fatos). Por técnicas podem ser entendidas as boas práticas de gestão (p. ex., indicadores de desempenho). O terceiro elemento-chave, os veículos, evidencia a necessidade da adoção de métodos que sistematizem o uso das técnicas (p. ex., o método PDCA para gestão da rotina).

Mas de nada adianta ter uma ótima fundação (know-how tecnológico), uma base sólida por onde caminhar (motivação), e pilares bem estruturados de gestão (princípios, técnicas e veículos), se os objetivos não estão claros. Esse é o papel dos propósitos organizacionais (a cobertura da casa, representando a segurança contra o mau tempo). O propósito fim de todo empreendimento deve ser a prosperidade (que leva à perenidade), mas para alcançá-la antes é necessário que a organização sobreviva aos desafios, que indubitavelmente, enfrentará. Por sua vez, para sobreviver, precisa ser competitiva (conquistar seu espaço) e produtiva (trabalhar com eficiência, usando bem seus recursos). Assim é que o ponto de largada, o propósito primordial de um empreendimento, é a garantia da qualidade, significando a produção e entrega do que e como foi prometido aos clientes.

Embora formado por um complexo conjunto de elementos inter-relacionados, interdependentes e interagentes, com fundamentos explícitos e claros, com as técnicas apropriadas e com métodos aplicados, a gestão empresarial acontece e leva aos resultados planejados.

Definição do negócio, o primeiro passo na construção da estratégia

Como já vimos em ensaio anterior (o que é um negócio?), negócio pode ser definido como “a essência de o que a organização faz”, “o que é produzido e entregue aos clientes”. Em outros termos, é “o algo de valor que a organização oferece ao seu público-alvo” cumprindo com seus objetivos.

Partindo dessa definição, podemos perceber que sem uma declaração explícita, clara e objetiva do negócio há o risco, e até mesmo a certeza, de que as pessoas da organização entendam diferentemente o negócio e seus objetivos. Isso é o esperado, dado que as pessoas têm experiências de vida diferentes e, portanto, percepções de mundo diversas. Assim, fatalmente empenharão esforços de trabalho para a realização de objetivos muitas vezes divergentes, o que será péssimo para o sucesso do empreendimento.

Pensando na objetividade com que o negócio deve ser estabelecido, costumo dizer que basta um par de palavras, uma expressão simples, para dar clareza sobre um negócio. Mas cuidado! Um negócio mal definido, sem um significado claro, de tal forma que dê margens a interpretações dúbias, trará mais problemas do que benefícios. Imagine um negócio definido como “produtos de qualidade” ou “serviços de alto desempenho”. O que isso significa? De que produtos estão falando? Quais são os serviços? Avançando nos questionamentos, podemos perguntar ainda o que é “qualidade” ou “alto desempenho”? Essas expressões isoladas dizem (aparentemente) tudo, mas de fato não significam nada. Afinal, “qualidade” do que, para quem? “Alto desempenho” sobre o quê? Por mais incrível que pareça, não é preciso procurar muito para encontrar definições de negócio como essas…

Evidente que a declaração do negócio deve ser observada associada a organização à qual se refere. Por exemplo, para uma empresa da área petrolífera, que atua na extração, no refino e na distribuição, podemos pensar que seu negócio é “petróleo”, e todos os seus derivados, ou então, de modo mais genérico, “energia”. Desse exemplo emerge outra questão relevante sobre a definição do negócio, sua amplitude. “Petróleo” é uma definição que se convencionou classificar como restrita, por sua vez “energia” é uma definição ampla.

Tradicionalmente essa discussão (definição ampla ou restrita) tem sido colocada, com muitos especialistas sobre estratégia afirmando que o negócio deve ser definido de forma ampla. Dizem eles que uma definição restrita limita as opções da empresa. Essa linha de pensamente vem do artigo “Marketing Myopia” (1975), de Theodore Levitt, onde o autor afirma (sucintamente falando) que o eventual declínio de uma indústria não se dá pelo mercado que deixou de existir, mas sim por uma falha de gestão, com a orientação do negócio tendo sido focada no produto (definição restrita) e não nas necessidades dos clientes (definição ampla). Mas isso é história, que merece um estudo profundo antes de iniciarmos um debate…

Sem dúvida que uma definição restrita limita as opções (é importante entender isso!), mas por outro lado dá foco ao negócio, gera especialização e, se bem desenvolvida, até mesmo exclusividade no mercado. Basta lembrar a proposta da estratégia do oceano azul, onde o modelo de inovação de valor pode ser entendido como uma proposição de um negócio restrito (definição de novos bens e/ou serviços), altamente focado, gerando ineditismo e exclusividade. Penso que a definição restrita ou ampla é “apenas” uma decisão que a organização deve tomar, com todas as implicações que isso trás.

A partir da definição do negócio, a missão organizacional será estabelecida, mas isso será assunto de um próximo ensaio…