Caso do Teste de Calce: percepção vs. qualidade

Em um dos projetos de consultoria em gestão que atuei, uma situação vivenciada deixou claro o quanto a percepção de cada pessoa influencia sua avaliação da qualidade sobre um produto. Vamos ao ocorrido…

O caso se deu em uma indústria de manufatura de calçados femininos para exportação. Estávamos trabalhando na padronização, com o objetivo de certificar seu sistema de gestão da qualidade segundo os critérios da norma ISO 9001. Certo dia discutindo o processo de avaliação (verificação) da qualidade dos calçados, com os modelistas, os responsáveis pelo desenvolvimento dos calçados, pude observar e criticar um dos métodos utilizados nessa avaliação, o chamado teste do calce.

Esse teste é exatamente o que parece, um teste de como o calçado veste (calça) no pé de uma pessoa. Para isso, nessa indústria e outras com as quais interagi, usam como avaliadora uma das meninas de sua própria operação. Importante observar que não é uma modelo (de pé), mas uma jovem que trabalha na empresa (muitas vezes na linha de produção) e que tem um pé com características (altura, largura, planta do pé, formato, etc.) dos pés das mulheres do país de destino dos produtos.

Sobre o uso de uma pessoa comum (e não um modelo, ou um especialista), já foi possível fazer algumas observações que, sem alguns cuidados, poderiam afetar sobremaneira a percepção da qualidade do produto. Para a realização desse teste de calce, sempre que havia a necessidade, chamavam uma das meninas que tinham o pé “padrão” (elas já estavam identificadas) diretamente de seu posto de trabalho para o teste. Qual o problema disso? Não havia qualquer cuidado com as condições do pé dessa pessoa. Não se dava atenção ao fato dela ter trabalhado por horas em pé, sentada ou caminhando, nem ao tipo de calçado que usava (tênis, sandália baixa, sapato de salto alto, etc.). Isso afeta a circulação, podendo deixar os pés inchados após algumas horas de trabalho, sem falar no cansaço físico e alterações na sensibilidade tátil. Ninguém havia se dado conta desses aspectos críticos, particularmente por estarmos falando de um teste que exige o uso de sensações táteis.

teste_de_calceOutra questão que levantei, sem que me dessem muita credibilidade num primeiro momento, é quanto ao fato de que a pessoa que faz o teste de calce não deveria ver o calçado antes de realizar a avaliação e fornecer sua conclusão. Como isso pode afetar o resultado? Nossa percepção sobre qualidade usa os cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar), mas em geral não estamos conscientes disso. Claro que dependendo do produto que estamos avaliando apenas alguns dos sentidos serão utilizados. No caso do teste de calce, com certeza o tato, mas também a visão e até o olfato podem afetar a percepção do avaliador. Coloquei isso ao grupo, dizendo que ao ver o calçado e achá-lo bonito ou feio a avaliação do calce – cujo interesse se restringe a aspectos táteis – poderia ser comprometida. Mas me disseram que isso não acontecia. Então os desafiei…

Peguei um dos modelistas, fui até a produção, escolhi um calçado bem feio (na minha e na percepção dele, claro!) para por à prova minha teoria. Em seguida, voltamos ao local da avaliação e chamamos uma das avaliadoras (menina com o pé padrão) para realizar o teste do calce. Sem considerar a questão de como estariam as condições de seu pé, após quase um dia inteiro de trabalho em pé na linha de produção, solicitamos a ela que realizasse o teste. No procedimento até ali utilizado, isso consistia em que ela pegasse o calçado, o vestisse (calçasse), caminhasse em ida e volta por uma passarela de uns 10m e, então, nos dissesse como tinha sentido o calce. E ela disse: “O sapato está apertado nos lados e pegando no calcanhar, deixando o calce desconfortável.” É importante observar que, enquanto calçava o sapato e caminhava pela passarela, ela viu o calçado feioso (possuía umas penugens e outros penduricalhos muito esdrúxulos).

Na sequência, seguindo roteiro que eu havia preliminarmente combinado com os modelistas, solicitei a ela que me entregasse o par de calçados para que eu e um dos modelistas fossemos até a linha de produção trocar por outro par. Saí com o par de calçados nas mãos, junto com o modelista, demos uma volta pela produção, sem que eu tivesse soltado o par a qualquer tempo, e retornamos ao local do teste. Entreguei o suposto “novo” par a ela e solicitei que realizasse nova avaliação (teste de calce). Novamente, ela calçou o par, caminhou pela passarela, e nos deu sua avaliação: “Agora sim, este par está perfeito. Nem apertado nem folgado. Firme no calcanhar, mas sem machucar. Tem um bom calce.” Os modelistas se entreolharam surpresos…

O que podemos aprender com este caso? Quando se trata de qualidade, menosprezar a percepção de quem a esta avaliando é algo como deixar a avaliação ao sabor do vento. Isso decorre da subjetividade intrínseca a cada um de nós. As pessoas são diferentes, têm experiências de vida distintas, têm necessidades diferentes, possuem gostos diversos, etc., por isso mesmo têm percepções da qualidade bem particulares. Mas embora exista subjetividade nas percepções de cada um, em algum nível, isso pode e deve ser “controlado”. Por exemplo, no caso do teste de calce, primeiramente a avaliadora deveria ser preparada para o teste, deixando a ela alguns minutos de descanso para seus pés (o “instrumento” de avaliação), proporcionando-lhe um escalda pés e até uma massagem revigoradora. Em segundo lugar, não deveria ser permitido a ela ver o calçado antes de dar seu parecer sobre as condições do calce, pois sempre haverá o risco de ela não gostar/gostar muito do visual do produto levando-a a uma avaliação (percepção) da qualidade mais dura/permissiva a partir de um pré-conceito formado.

Este caso descreveu uma situação interna, que facilmente pode ser controlada. Imagine o que acontece quando estamos lidando com a percepção dos clientes, sobre os quais (supostamente) não temos qualquer “controle”… Não temos mesmo???

Inovação a partir da Voz do Cliente: como identificar?

Entendendo que uma das possíveis fontes de inovação são os clientes com sua voz, uma questão importante é saber como classificar seus requisitos – traduzidos em atributos ou características da qualidade – de modo a identificar oportunidades para inovação. Um método bem estruturado e testado é o proposto pelo pesquisador japonês Noriaki Kano, pelo qual é possível distinguir entre os requisitos essenciais dos que podem levar ao desenvolvimento de uma inovação.

Conhecido como Modelo da Qualidade de Kano, o método permite classificar os requisitos quanto à satisfação dos clientes. A classificação é obtida a partir das respostas a uma pesquisa de campo, junto a clientes, ex-clientes e potenciais clientes do produto.

modelo_kanoOs requisitos, a serem classificados, são previamente levantados pelo entendimento da imagem e linguagem dos clientes (ver ensaio A Voz do Cliente: inovação como solução). Para cada requisito apresentado ao pesquisado ele deve responder a duas perguntas: como se sente caso o requisito esteja implementado (no bem ou serviço) e como se sente caso não esteja implementado. Para ambas as perguntas o pesquisado deve escolher uma entre cinco opções de respostas: gosta, acha óbvio, é indiferente, se sente resignado ou não gosta. Cruzando as respostas às duas questões chegamos à classificação do requisito em uma de seis categorias possíveis: característica obrigatória, atrativa, linear, reversa, questionável e indiferente.

Características obrigatórias são aquelas que causam extrema insatisfação quando ausentes, mas pouca ou nenhuma satisfação percebida quando presentes. Isso significa que sem elas o produto não funciona, mas com elas o produto entrega simplesmente o que é esperado e nada mais que isso.

Características atrativas encantam os clientes quando presentes, mas não causam qualquer insatisfação se não implementadas. Isso ocorre porque elas são inesperadas num primeiro momento, causando deleite quando implementadas levando a vantagem competitiva. Aqui estão as oportunidades para inovação!

Características lineares satisfazem os clientes quando implementadas ao mesmo tempo em que os deixam insatisfeitos se não implementadas. Assim, existe uma linearidade entre o nível de implementação da característica e o nível de satisfação do cliente. São características essências à funcionalidade do produto.

Características reversas levam a insatisfação quando implementadas e a satisfação quando ausentes. Ou seja, são aquelas que geram satisfação/insatisfação de modo contrário ao que seria aparentemente o esperado. Portanto, são características a serem evitadas nos bens e serviços.

Características questionáveis são aquelas para as quais o pesquisado manifesta tanto satisfação quanto insatisfação com sua implementação. Isso pode ocorrer quando os clientes não conseguem entender a necessidade ou função da característica.

Com o passar do tempo, características que foram classificadas inicialmente como atrativas, acabam se tornando lineares e, com mais algum tempo, obrigatórias. Esse movimento mostra claramente a necessidade da incorporação de inovações de tempos em tempos se queremos que os produtos renovem o desejo dos clientes.

Priorizando os indicadores: critérios competitivos

Resultados superiores só ocorrem quando as prioridades estão claras. Em gestão isso passa por um sistema de medição do desempenho constituído por indicadores que focalizem as questões críticas do negócio, os chamados critérios competitivos, e que apresentem relações entre as atividades da organização com os requisitos dos clientes.

Já vimos que existem dois tipos básicos de indicadores, de eficiência (processo) e de resultado (produto), e também como determiná-los. Nesse caminho, não é incomum que cada gestor chegue a uma ampla lista de indicadores que poderiam ser utilizados. Mas sem prioridades bem definidas, sem entender quais são os resultados críticos para o negócio, sua atenção pode ser facilmente desviada das atividades-chave.

prioridadesAssim, além de determinar os indicadores de desempenho de suas áreas de autoridade & responsabilidade, os gestores devem responder à questão “Quais são os resultados críticos para o empreendimento?” Dada essa resposta, é possível determinar quais são os indicadores da operação para os quais devem voltar sua atenção. Uma forma objetiva para se chegar a esse foco é listar os critérios competitivos que se impõe sobre o negócio e, então, classificá-los segundo sua contribuição para os resultados.

Uma classificação muito utilizada e prática é determinar quais são os critérios competitivos diferenciadores e quais são os qualificadores. Critérios diferenciadores são os poucos, mas vitais, aspectos fortemente relacionados com os ganhos do negócio. Qualificadores são todos os demais critérios competitivos, que embora não determinem o sucesso competitivo medem aspectos que dão sustentação ao nível mínimo de competitividade.

Diferenciadores são os critérios que, do ponto de vista dos clientes, estão relacionados a atributos de desempenho que mais influenciam suas decisões. Portanto, estão associados aos aspectos críticos de competitividade. Assim, aumentar o desempenho dos indicadores associados a esses critérios resultará em (ou pelo menos na chance de) obter resultados superiores.

Qualificadores são os critérios que, também do ponto de vista dos clientes, estão relacionados a atributos de desempenho inicialmente considerados para a seleção de possíveis fornecedores. A performance medida por indicadores associados a este tipo de critério deve estar num patamar mínimo de desempenho que dê sustentação ao negócio, que não comprometa a operação. Elevar o nível de desempenho desses atributos, para além do minimamente exigido, provavelmente resultará pouco (ou nenhum) benefício competitivo com a contrapartida de um aumento desnecessário de custos.

Com os critérios competitivos do negócio claramente definidos e classificados, para chegar aos indicadores de desempenho operacional que devem ter seu monitoramento priorizado, basta focalizar as atividades-chave – aquelas que contribuem para a realização dos critérios competitivos diferenciadores – e seus respectivos produtos. Dessa forma, não só os resultados operacionais ficam priorizados, como também os processos críticos à competitividade da organização ficam em destaque.

Liderar a si mesmo, antes de liderar outros

Compreender superficialmente os princípios de liderança é mais usual do que compreender profundamente os princípios da autoliderança. Este tipo de conhecimento ainda causa uma certa estranheza nos públicos mais seletos. Liderar os outros parece, ilusoriamente, mais fácil do que liderar a si mesmo, contudo a essência da liderança está na autoliderança.

Quem de fato lidera, primeiro lidera a si mesmo, gerenciando as próprias emoções e decodificando seus significados. O desafio do humano é a interpretação. E, o mundo subjetivo  mantém significados nem sempre conscientes, e por isso não compartilhados, gerando dificuldades nas inter-relações e frustrações veladas do profissional.

A função do autoconhecimento é favorecer a tomada de consciência de significados subjetivos que causam ruídos, ao invadirem a interpretação a ponto de compromete-la, qualificando a mente para fazer a devida correção, tornando o líder mais útil para servir ao coletivo.

Postura estratégica: análise SWOT

Concluída a análise do ambiente de competição, mais especificamente o levantamento dos fatores externos (OP e AM) e internos (FO e FR), o passo seguinte é realizar o cruzamento dos fatores mais significativos no contexto atual do negócio. Desse cruzamento, surgirá a postura estratégica, representando o movimento estratégico a ser adotado pelo empreendimento. Essa postura é indicada pela fase em que a organização se encontra em seu atual ciclo de vida: crescimento, desenvolvimento, maturidade ou sobrevivência.

A fase de crescimento é a infância da organização, é aquela em que todo novo empreendimento inicia sua caminhada, mas também o primeiro momento de um novo ciclo de vida estabelecido para uma organização já estabelecida. Nessa fase as fraquezas se sobrepõem às forças e existem mais oportunidades do que ameaças.

A fase seguinte, de desenvolvimento, corresponde à adolescência do empreendimento em seu ciclo de vida. Nessa fase as forças as sobressaem sobre as fraquezas e continuam existindo mais oportunidades do que ameaças.

Na fase seguinte, de maturidade, a organização se encontra em um período de colheita daquilo que plantou e cultivou em sua jornada empreendedora. Nessa fase continuam existindo mais forças do que fraquezas e começam a surgir mais ameaças do que oportunidades.

Fechando o ciclo de vida atual do negócio, surge a fase de sobrevivência, correspondendo à fase senil da organização. Para não chegar até ela é que, estrategicamente, as organizações precisam se reinventar de tempos em tempos, criando um novo ciclo de vida enquanto ainda estão na fase madura do ciclo corrente. Nessa fase as fraquezas são evidentes, forças foram perdidas, e as ameaças se impõem sobre as oportunidades.

matriz_swotPara determinar em que fase o negócio se encontra, definindo a postura estratégica mais adequada, devemos proceder a uma análise SWOT, acrônimo formado pelas iniciais das palavras de língua inglesa Strengths, Weaknesses, Oportunities e Threats, respectivamente significando FOrças, FRaquezas, OPortunidades e AMeaças. Essa análise é realizada com o auxílio de uma matriz, onde poderemos cruzar os principais fatores internos (FO e FR), contra os principais fatores externos (OP e AM), de modo a identificar as inter-relações existentes.

Assim procedendo, ao perceber que uma FOrça pode estrategicamente ser utilizada para aproveitar uma OPortunidade, vemos que há uma inter-relação. Do mesmo modo identificamos uma inter-relação ao concluir que uma FRaqueza está potencializando uma AMeaça. O mesmo raciocínio vale ao avaliar se uma Fraqueza está impedindo o aproveitamento de uma OPortunidade ou se uma FOrça pode ser usada para neutralizar uma AMeaça. As inter-relações existentes ainda podem ser classificadas quanto a seu grau em forte, média ou fraca.

O quadrante da matriz com a maior quantidade de inter-relações, de graus mais elevados, representa a postura estratégica apropriada ao contexto atual da organização. O quadrante representado pelo cruzamento das FR x OP corresponde à fase de crescimento, o das FO x OP à fase de desenvolvimento, o das FO x AM à fase de maturidade e o das FR x AM à fase de sobrevivência.

Outras informações relevantes para o delineamento de estratégias ainda podem e devem ser retiradas da Matriz SWOT, mas isso será tema de um próximo ensaio…