O Gerente Incendiário

Publicado originalmente no LinkedIn

Pense naquele Gerente que diante de um problema, um “incêndio”, mantém a calma ao mesmo tempo em que age com forte senso de urgência, e assim procura entender de imediato quais são as consequências e já determinar como agir para mitigá-las. Em seguida, após uma análise metódica, estabelece uma melhoria ao processo que gerou o problema de modo a evitar que as causas do desvio identificadas voltem a ocorrer. Com certeza, esse não é o nosso Gerente incendiário, não tem o perfil que o faça merecer a “distinção”.

Esse Gerente, um verdadeiro Gestor, atua com o que há de melhor em práticas gerenciais. Estabelece processos e procedimentos visando previsibilidade, realiza melhorias sistemáticas para ganhar competitividade, monitora resultados e age sem titubear quando surgem problemas. Esse é o perfil que todos deveríamos reconhecer. Contudo, em muitos casos, por não se preocupar em aparecer, não é visto, portanto, acaba não sendo reconhecido. Sim, esses profissionais existem, e merecem todo o nosso respeito!

Por outro lado, muito provavelmente, nosso Gerente incendiário é o sujeito que todos conhecem na empresa, com quem muitos se socorrem quando surge algum incêndio para que ele “dê um jeito” de apagar o fogo e “resolver o problema”. É o “profissional” que está sempre recebendo tapinha nas costas em reconhecimento aos seus esforços para a manutenção do funcionamento das coisas… Pois aí está o real problema, a verdadeira “causa dos incêndios”.

Esse Gerente reconhecido como “solucionador de problemas” é o próprio incendiário. Como assim? Simples, ele até pode ter uma ótima capacidade para “resolver problemas”, melhor dizer “apagar incêndios”. A questão que se coloca é o porquê de os incêndios se repetirem? Por quê, quase sempre, as causas são recorrentes ou muito similares, ou mesmo, previsíveis? Uma provável razão é que esse Gerente está inebriado com seu sucesso, fica altamente extasiado com tapinhas nas costas, com o reconhecimento recebido a cada novo incêndio extinto. Sendo assim, qual é sua motivação para, de fato, atuar como um gestor, resolver os problemas, evitar incêndios, se antecipar às causas de desvios dos processos??? Se fizer isso, acredita que deixará de ser notado, não se sentirá “reconhecido”, não mais será recompensado pelo “trabalho bem-feito”.

Um de diversos casos que vivenciei em minha atuação como consultor reflete claramente essa situação do Gerente incendiário. Certo dia, em um projeto de melhoria da gestão, um Gerente de Produção me puxou a um canto e disse “Você não conseguirá nos ajudar, pois não entende nada de nosso produto!”. Condescendi com a colocação de que não entendia sobre o produto ao mesmo tempo em que informei que não estava ali para ajudar a melhorar o produto, mas sim a gestão sobre os processos de produção e seus resultados. Então, ciente da situação vigente, o convidei a dar uma volta comigo pela área de produção, já apostando que haveria alguma situação indesejada em curso.

Sem dúvida existiam problemas. Pedi ao nosso incendiário, (opa!) Gerente, que escolhesse um problema para analisarmos. Ele escolheu a situação de um produto que estava apresentando uma diferença significativa de cor na pintura acabada. Após algumas abordagens junto aos Supervisores de produção, ficou claro que a situação havia sido criada porque aceitaram, no recebimento de materiais, uma tinta fora da especificação do padrão da cor.

Indo um pouco mais a fundo, bingo! Quem foi que deu a ordem para aceitar a entrada de material fora da especificação? O nosso Gerente incendiário. Ao ser questionado do porquê, alegou que não haveria tempo hábil para a reposição da tinta, mas que ele saberia como resolver o “problema” no acabamento do produto, durante o processo da pintura. E, de fato, lá estavam tentando um paliativo orientados pelo nosso Gerente incendiário.

Cuidado, você pode estar reconhecendo o profissional errado, um incendiário, e com isso minando a motivação de, ou pior, deixando escapar para um concorrente, o Gerente eficiente e eficaz, que cuida dos processos e seus parâmetros (causas) entregando resultados (efeitos) consistentes, agregando valor e gerando satisfação (consequências) aos clientes.

Destruição Criativa ou Espaços Inexplorados de Mercado

Publicado originalmente no LinkedIn

Com o fortalecimento do movimento do empreendedorismo de inovação, conduzido por startups, era esperado que surgissem novas teorias sobre modelos de negócio, estratégia, gestão, inovação e temas correlacionados. Isso faz parte do business de empresas de consultoria e capacitação profissional, com novos entrantes buscando se inserir no recém-criado espaço de mercado, aí incluídas atividades como mentoria, aconselhamento, palestras e afins.

É interessante notar que, na tentativa de dar tração às novas abordagens, alguns (ou muitos) dos novos entrantes partem para o ataque às teorias clássicas, métodos experimentados e validados, úteis quando aplicados no contexto apropriado. O curioso é que esses novos experts acabam por se referenciar em conceitos igualmente clássicos, como forma de justificar ou validar as novas teorias.

Assim, um dos conceitos que voltou aos holofotes é o da Destruição Criativa, cunhado pelo economista austríaco Joseph Schumpeter no final da primeira metade do século passado, pelo qual definiu o empreendedorismo como a introdução de novos produtos (bens ou serviços) na economia destruindo modelos de negócios estabelecidos. Esses novos produtos, dizia Schumpeter, constituem a força motriz do crescimento econômico sustentado. Um conceito, sem dúvida válido, revigorado pelos novos tempos de startups.

Essa definição – destruição criativa – por vezes tem sido usada para justificar uma prática recorrente nesse meio, a desqualificação de teorias, modelos e métodos clássicos. Mas, aprender, desenvolver e usar “novos truques” não implica esquecer os tradicionais ainda eficientes. E não é só, também tem sido usada como prova, pela minha percepção sem sustentação, de que os modelos de negócio do século passado já não se aplicam aos novos tempos. Será? É isso mesmo, a generalização faz sentido? A destruição criativa se dará em todos os segmentos da nova economia do empreendedorismo de inovação?

Antes de explicar meu ponto de vista, precisamos entender ainda outro conceito que tem sido deturpado, usado indiscriminadamente como sinônimo de inovação radical, o da disrupção. A inovação do tipo radical, da qual a disrupção é uma de suas formas, pode ser melhor entendida se subdividida em duas classes: de ruptura e disruptiva.

Inovações de ruptura implicam na quebra de paradigma, conforme definiu o físico e pesquisador Thomas Kuhn, pela qual são apresentadas soluções em geral mais elaboradas, por vezes complexas e/ou de maior custo num primeiro momento, que rompem com crenças enraizadas sobre como as coisas são ou funcionam. Por sua vez, as inovações disruptivas, termo criado pelo professor Clayton Christensen, partem de soluções mais simples, pela qual são oferecidos produtos (bens ou serviços) com tecnologia inferior e/ou funcionalidades básicas, em geral com preços mais acessíveis, para um público negligenciado pelas soluções existentes, e que acabam evoluindo e dominando o mercado das empresas até ali líderes.

Nessa linha de raciocínio, muitos no ecossistema do empreendedorismo de inovação têm afirmado que modelos de negócio disruptivos, originários de startups, tem promovido a destruição criativa das empresas estabelecidas então dominantes no mercado. Dentre os exemplos mais citados estão Amazon, Uber e Airbnb.

As alegações são que, a Amazon é a maior varejista do mundo sem ter uma enorme rede de lojas físicas, a Uber é a maior empresa de transportes do planeta sem ter um único veículo entre seus ativos, e o Airbnb a maior rede de hospedagem sem possuir um único quarto. Poderíamos questionar se os segmentos alegados são mesmo os dessas empresas, mas vamos por outro caminho… As afirmações são fato incontestável, essas organizações estão entre as maiores do mundo na atualidade. Com esses fatos procuram demonstrar que há uma mudança disruptiva em modelos de negócios tradicionais, onde o modelo das cadeias de produção vigente está dando lugar ao de plataformas de negócios. E é aqui que penso que há uma distorção da realidade ou, no mínimo, meias verdades. Vejamos…

A Amazon vende o quê mesmo? Bens e serviços diversos, produzidos por plataformas ou cadeias produtivas??? E a Uber oferece a possibilidade de transporte (de pessoas ou refeições) por quais meios? Veículos de motoristas particulares, produzidos por plataformas ou cadeias produtivas??? E a Airbnb hospeda pessoas onde? Habitações de proprietários dispostos a ceder seus espaços, construídas por plataformas ou cadeias produtivas???

Embora seja um fato de que algumas das maiores empresas de hoje operem num modelo de negócio baseado em plataformas, que conectam fornecedores e consumidores em rede, elas ainda assim dependem da existência, e talvez só possam existir por isso, de empresas que operam no modelo de negócio das cadeias produtivas. E mais, nem a Amazon destruiu os varejistas estabelecidos, nem a Uber aniquilou as frotas de táxis, e nem o Airbnb liquidou com as redes de hotéis, pousadas e similares. Houve uma acomodação e ajustes entre os players, mas os tradicionais ainda estão por aí firmes e fortes, não ocorreu a destruição criativa de uma disrupção.

Sendo assim, me parece que melhor do que pensar e acreditar que todos os segmentos deverão optar por convergir para o modelo de plataformas de negócios ou morrer, é mais sábio trabalhar com a possibilidade, caso a caso, de convivência harmônica dos dois modelos. Isso amplia as alternativas, a destruição criativa nessa situação dá lugar ao entendimento de que existem espaços inexplorados de mercado, que podem ser mais rápida, econômica e amplamente acessados, com empreendedorismo de inovação (radical, mas não necessariamente disruptiva), por modelos de plataforma de negócios.

Grandes empresas estabelecidas têm trabalhado nessa direção, promovendo programas de parceria com startups, de modo a agilizar a busca por inovações em soluções que possam ser agregadas ao seu portfólio, ou alternativamente serem oferecidas como um algo a mais por meio de parceiros, sem necessariamente abrir mão de seu modelo do core business em cadeia produtiva.

Fica a reflexão!