Bastidores do serviço

Na gestão de serviços já vimos que um aspecto importante é o entendimento de que existem o palco e os bastidores. Já sabemos que no palco ocorrem os momentos da verdade, uma interação direta entre cliente e fornecedor. Precisamos então aprofundar o entendimento sobre os bastidores, sobre como desenhar o serviço de modo a prestar um atendimento de excelência.

Aqui surge mais um conceito da gestão de serviços que precisa ser bem entendido: há o serviço e há o atendimento. Qual a diferença? Por serviço devemos entender o conjunto dos processos de bastidores e palco. Já por atendimento devemos compreender o processo de palco, o que ocorre com a presença (física ou remota) do cliente. Fazendo o paralelo com uma peça de teatro, o resultado do palco, a satisfação ou insatisfação dos espectadores (clientes), depende do que se faz antes e durante a apresentação da peça, ou seja, o que ocorre nos bastidores.

É nos bastidores que o serviço é preparado e suportado para que o atendimento de palco tenha um desempenho satisfatório. A preparação implica no planejamento do serviço, que inicia pela elucidação do ciclo de serviço (processo de palco) e de seus atributos (relacionados aos momentos da verdade) em fina sintonia com a promessa feita ao cliente (ver Palco dos serviços: momentos da verdade). Assim, os processos de bastidores devem ser desenhados de modo a atender as necessidades do processo de palco, permitindo que o atendimento entregue o que foi prometido.

modelo_gapsUma boa forma de compreender o que precisa ser feito nos bastidores é entendendo o modelo conceitual da qualidade do serviço (SERVQUAL), proposto Zeithaml, Parasuraman e Berry (1990). Nesse modelo, os autores sugerem que existem cinco lacunas (gaps) entre o serviço esperado (pelo cliente) e o serviço proposto (pelo fornecedor).

A primeira lacuna refere-se à diferença entre as expectativas do cliente (palco) e a percepção gerencial sobre essas expectativas (bastidores). A segunda lacuna diz respeito à diferença entre a percepção gerencial sobre expectativas e a especificação do serviço. A terceira lacuna está associada à diferença entre a especificação do serviço e o serviço entregue. A quarta lacuna refere-se à diferença entre o serviço entregue e a comunicação feita ao cliente. Por fim, a quinta lacuna relaciona a diferença entre a comunicação ao cliente e o serviço esperado.

Se entendermos bem essas diferenças, poderemos desenhar processos de bastidores que, se não eliminem por completo, pelo menos minimizem as potenciais lacunas, aproximando a percepção da qualidade sobre o serviço prestado no palco (durante o atendimento) com as expectativas do cliente.

Assim, por exemplo, trabalhar a primeira lacuna implica processos de bastidores que façam bom uso de pesquisa de mercado, uma boa comunicação interna (vertical) e redução de níveis de decisão (gerenciais). Trabalhar a segunda lacuna deve levar a um maior compromisso dos gestores com a qualidade e exequibilidade do serviço, padronização das tarefas e estabelecimento de metas. A terceira lacuna será bem trabalhada com a definição clara de papéis, adequação do quadro de pessoal e da tecnologia, uso de sistemas de controle e desenvolvimento do senso de equipe. A quarta lacuna será bem resolvida com uma comunicação horizontal (interfuncional) fluída, políticas de serviço aos clientes consistentes entre as áreas (funções empresarias) e informação disponibilizada aos clientes. A quinta lacuna fica naturalmente minimizada se as demais lacunas estiverem bem resolvidas.

Em ensaio próximo veremos algumas práticas que permitem entender melhor o serviço e sua estruturação – a oferta e o pacote de serviço – facilitando seu projeto…

Palco dos serviços: momentos da verdade

Já discutimos que uma das diferenças críticas dos serviços, em relação à manufatura ou ao agronegócio, é a presença do cliente (Gestão de serviços: características e particularidades). Também vimos que isso se dá na etapa do serviço que ocorre no palco, onde o cliente tem sua percepção sobre a qualidade amplificada pela simultaneidade entre a produção e o consumo do serviço.

Então, em serviços, é imprescindível que haja uma atenção especial às atividades de palco. É preciso compreender e trabalhar muito bem a interação existente entre o fornecedor e o cliente, delineando o processo do palco. Essa compreensão passa pelo entendimento de cada ponto de interação, sua sequência lógica e seus atributos específicos.

toureiro_x_touroUma ferramenta muito utilizada para a representação do processo de palco é o Ciclo de Serviço, que explicita a sequência dos pontos de interação entre o cliente e o fornecedor. Nesse ciclo, cada um desses pontos é denominado Momento da Verdade (MdV). Uma imagem muito utilizada para representar o Momento da Verdade é a figura de um toureiro encarando um touro, que nos reporta à interação existente no palco. Karl Albrecht (1992), um especialista em gestão de serviços, define Momento da Verdade como “qualquer episódio no qual o cliente entra em contato com algum aspecto da organização e obtém uma impressão da qualidade de seu serviço”.

Dessa definição de MdV fica explicitada a importância de entendermos os atributos do serviço, que são as necessidades, desejos e expectativas dos clientes associados a cada Momento da Verdade. Portanto, são os aspectos que irão formar a impressão sobre a qualidade do serviço. Esses atributos são melhor compreendidos a partir de critérios da qualidade. Um instrumento que estrutura bem esses critérios é o SERVQUAL, proposto por Zeithaml, Parasuraman e Berry (1990), estabelecendo cinco dimensões da qualidade do serviço: aspectos tangíveis (físicos), confiabilidade, prontidão, segurança e empatia.

Os atributos relacionados aos aspectos tangíveis do serviço correspondem à aparência física de facilidades, equipamentos, pessoas e materiais de comunicação. A confiabilidade representa a habilidade em executar o serviço prometido de modo fidedigno e preciso. A prontidão responde pela disposição em ajudar o cliente e prestar um serviço em tempo adequado. Segurança é a dimensão que traduz o conhecimento e a cortesia dos prestadores do serviço e sua capacidade de estabelecer uma percepção de responsabilidade e confiança. E, empatia corresponde a aspectos de carinho e atenção individualizados a cada cliente.

Ao serem estabelecidos os Momentos da Verdade, com seu sequenciamento num Ciclo de Serviço, e o detalhamento dos atributos de cada MdV, estamos realizando o planejamento do serviço. Esse planejamento trás pelo menos dois benefícios à atividade de serviços: facilita a comunicação ao cliente sobre o serviço proposto e, permite o controle (gestão) do serviço a partir de sua avaliação de conformidade com os atributos estabelecidos.

Lembrando que tudo que tratamos aqui acontece no palco, não podemos esquecer que existem os bastidores, local onde o atendimento ao cliente (o processo de palco) é preparado e consolidado. Em ensaios próximos veremos alguns aspectos críticos dos bastidores…

Gestão de serviços: características e particularidades

gestão_serviçosEmbora o método de gestão e seu ferramental sejam de aplicação universal, uma área da atividade econômica merece uma atenção particular: a Gestão de Serviços. Isso se deve ao fato de que em serviço há pelo menos um aspecto crítico que o diferencia da manufatura ou do agronegócio, a presença do cliente. E o que isso tem de crítico? Na manufatura ou no agronegócio uma eventual falha na produção, quando identificada, pode ser corrigida sem que chegue até o mercado, sem que o cliente a perceba. Contudo, em serviços, a percepção de falha pelo cliente, tratando-se de atividades de linha de frente, é imediata. Isso exige uma atenção especial na lógica de avaliação e ação corretiva, que passa de longe da vista do cliente para aos olhos do cliente, exigindo uma postura de reconhecimento da falha e pronta recuperação do erro por parte do prestador de serviços.

Dessa forma, a gestão de serviços exige a compreensão de suas características e particularidades para uma gestão efetiva. Além da presença do cliente, outros importantes aspectos diferenciam a atividade de serviços da manufatura ou do agronegócio, sendo os mais significativos: intangibilidade, simultaneidade, heterogeneidade e perecibilidade.

Não conseguimos pegar um serviço, sentir seu peso, tateá-lo, como podemos fazer com um produto manufaturado ou um alimento colhido no campo. Aí está a intangibilidade do serviço, que torna mais difícil para os clientes perceberem seu valor. Quanto vale o acesso ao topo do Empire State Building? Embora sendo um dos mais altos e famosos de Nova York, é só mais um edifício, de onde teremos uma bela vista da cidade… que poderia ser obtida do topo de outro edifício próximo talvez sem custo algum.

Quando adquirimos um bem ou um pacote de cereais, não sabemos como foi produzido, no máximo teremos algumas informações em sua embalagem. De forma diversa, quando contratamos um serviço, em muitas situações sua produção acaba acontecendo simultaneamente a sua entrega. É o caso da apresentação de uma peça teatral, da obturação de um dente, do empacotamento de mercadorias no caixa do supermercado, etc. Assim, qualquer falha no processo de sua execução é imediatamente percebida pelo cliente está recebendo o serviço.

A heterogeneidade refere-se aos prestadores de serviço, pessoas diversas que, por suas próprias características pessoais, acabam prestando um mesmo serviço de forma perceptivelmente diferente. Ainda que seguindo um mesmo procedimento e tendo sido treinados para a função, pessoas diferentes acabam sendo mais ou menos empáticas ou prestativas, parecendo ser mais competentes, etc. Isso sempre é um problema, ou no mínimo um ponto de atenção, sobre a qualidade geral percebida pelo cliente do serviço. Há que se considerar também a heterogeneidade dos clientes do serviço, cada um com suas próprias necessidades, demandas, desejos e manias, o que afeta suas percepções sobre a qualidade.

Parece estranho falar que um serviço é perecível, mas que valor tem assistirmos a um filme já iniciado, um voo perdido, um curso que não frequentamos embora inscritos para tal? A perecibilidade do serviço remete a impossibilidade de estocarmos o mesmo, ou usufruímos dele no momento em que está sendo prestado ou ele perde sua função e valor. Claro que um filme pode ser gravado e assistido outra hora, poderemos sempre tomar o próximo voo e frequentar uma próxima turma do curso, mas esses já são outros serviços, entregues em outro momento, talvez tarde de mais para a necessidade original.

Essas características e particularidades ficam ainda mais evidentes quando entendemos que, em serviços, existem o palco e os bastidores. É no palco que o serviço se diferencia da manufatura ou do agronegócio, pois é nele que o cliente está presente. Mas existem os bastidores, o local onde as coisas são preparadas e coordenadas para que no palco tudo dê certo. É a lógica do teatro onde a apresentação da peça (o serviço sendo prestado) acontece num palco (stage) na presença do cliente (o espectador), mas os ensaios, a caracterização dos atores, o controle de luzes e som, etc., ocorrem nos bastidores (backstage). Como na manufatura ou no agronegócio, o cliente não vê o que ocorre nos bastidores, mas percebe seu resultado durante a apresentação da peça no palco.

Em ensaios próximos vou aprofundar alguns conceitos e apresentar ferramentas que facilitam a gestão de serviços…

Caso do vendedor: que bom que me escalaram no feriado…

Um dos serviços que realizamos na Intelligentia são as chamadas pesquisas do Cliente Misterioso: uma espécie de auditoria de serviço, onde um avaliador representando o papel de um consumidor comum, p. ex., vai a um estabelecimento comercial simulando interesse na aquisição de um produto, mas com o objetivo real de avaliar como está o atendimento ao cliente. Numa dessas avaliações, realizada em uma loja do varejo, uma situação relatada pelo Cliente Misterioso (o avaliador disfarçado de cliente) me chamou a atenção. Vamos ao ocorrido…

Em seu relato dos fatos, observados enquanto esteve no ambiente da loja, se fazendo passar por um cliente interessado na compra de um produto, descreveu:

– “Entrei na loja, circulei um pouco e me detive a olhar um determinado produto, esperando que um funcionário viesse me atender. Mas que nada, nenhum vendedor me deu atenção. Uns estavam focados em organizar mercadorias que aparentemente recém haviam chegado à loja, outros conversavam animadamente entre si, e outro atendia o único outro cliente além de mim presente na loja.

– “Então, me aproximei de um grupo de três atendentes em uma roda de conversas. Propositadamente, não pedi explicitamente que alguém me atendesse, nem fui direto ao encontro deles, mas parei bem próximo na tentativa de me fazer notar. Continuei sem ser atendido, mas pude ouvir a conversa deles. Era um dia de feriadão (uma sexta-feira), um dos atendentes dizia aos outros: (Vendedor) ‘Que bom que me escalaram no feriado! Como não consegui fechar a meta de vendas da semana, agora terei essa oportunidade’.”…

O inusitado desse relato é o fato de que havia um atendente feliz por poder trabalhar num feriadão e assim ter ganhado mais tempo para fechar sua meta de vendas, mas por outro lado simplesmente “ignorava” a presença de um cliente que poderia contribuir com sua meta (caso uma venda fosse realizada).

Refletindo um pouco sobre a situação, pergunto: Quantas vezes não vemos situações similares ocorrendo? Empresas preocupadas em fechar metas de vendas, baixar o volume de reclamações de consumidores, elevar os níveis de satisfação dos clientes, mas simplesmente desconsiderando o cliente, não lhe dando a devida e necessária  atenção… Como querem cumprir com essas metas se o sujeito que torna isso possível é sumariamente desprezado e até ignorado? Por que isso acontece com uma frequência elevada?

O que podemos aprender com este caso? Desconsiderando que falta compromisso e foco a esses atendentes, em geral essas situações – absurdas – ocorrem fundamentalmente por falta de gestão. Vamos lembrar que gestão se faz com método (PDCA), que inclui além do estabelecimento de metas, a definição de procedimentos de trabalho que levarão à realização dessas metas (a padronização), o treinamento dos funcionários sobre esses procedimentos, o monitoramento dos resultados (a avaliação comparativa das metas estabelecidas vs. resultados alcançados) e a ação (gerencial) sobre os problemas (análise dos resultados indesejados) atuando sobre suas causas.

Caso do Cartão de Crédito: Foi clonado? Aguarde 72h!

Outro dia eu estava em casa, acomodado tranquilamente no sofá em minha sala de estar, assistindo a um bom filme. Então, meu celular acusou o recebimento de duas mensagens SMS seguidas. Fui ver do que se tratava e tive uma desagradável surpresa, daquelas a que todos estamos sujeitos nestes tempos de dinheiro de plástico: eram mensagens de “compra aprovada” em meu cartão, valores que somados ficavam em torno de R$ 4.000, mas que eu simplesmente não havia feito.

Imediatamente fui verificar se meu cartão estava em minha carteira e, sim, estava lá. Então liguei para a Central de Atendimento da operadora do cartão para comunicar e interromper a fraude. Outra surpresa desagradável, absurda! Depois de muito digitar ao telefone – número do cartão de crédito, senha de acesso ao sistema, opção disso e daquilo… – consegui falar com uma atendente. Já fui informando que meu cartão havia sido “clonado” ou algo do tipo, que estavam fazendo compras naquele exato momento com o mesmo, mas que não era eu e que o cartão estava em meu poder. Qual a surpresa? A atendente disse que eu deveria ligar após 72h para registrar uma contestação desses valores, significando que a fraude poderia continuar até lá…

Enquanto eu falava com a atendente, recebo outra mensagem SMS, uma terceira “compra aprovada”, agora totalizando R$ 5.000. Informei a ela e disse que precisavam fazer algo. Novamente recebi a informação de que só poderia registrar uma contestação após 72h. Diante de minha insistência, a atendente solicitou “um momento, por favor” e, sem a menor cerimônia, reencaminhou a ligação para o início do sistema automatizado da Central de Atendimento. Ou seja, simplesmente me ignorou!

Comecei novamente a tentativa de acesso, digitando o número do cartão, senha de acesso, opções, até chegar a um atendente ouvindo a mensagem: “Dentro de instantes o senhor será atendido.” A partir daí o sistema ficava mudo ou me colocavam a ouvir uma “musiquinha”, mas nada de me atenderem. Eu desligava e ligava novamente, e a mesma coisa ocorria. Tentei três vezes, mas sempre que chegava ao atendente, ninguém atendia. Só posso pensar que a primeira atendente houvesse registrado minha ligação e a ocorrência relatada, mas como eu tinha que aguardar 72h eles simplesmente não me atendiam mais.

Então recorri a uma opção que não era o caso, a de roubo ou perda do cartão. Fui rapidamente atendido, e logo informando que não havia perdido, nem haviam me roubado o cartão, mas que ele estava sendo usado indevidamente para compras naquele exato momento. O atendente, agora muito atencioso, informou que a opção que eu havia escolhido (perda ou roubo) era para atendimento prioritário, e que ele estava vendo os valores das compras recém aprovadas em seu sistema. Assim, disse ele, vamos já cancelar seu cartão para evitar novas compras e solicitar um novo. Também vou registrar o que o senhor está me dizendo, que não são compras suas, mas preciso lhe pedir para ligar daqui a 3 dias úteis (as 72h), quando essas compras aparecerão em detalhes em nosso sistema, e assim o senhor poderá fazer a contestação. Disse ele ainda, creio que procurando me tranquilizar, algo como “De qualquer forma, estou anotando sua reclamação. Quando o senhor retornar a ligação para a contestação, isso já estará registrado.”

Chama à atenção nesse breve relato a diferença de atendimento de um para outro atendente. O primeiro, simplesmente ignorou o cliente em nome do procedimento padrão (contestações somente após 72h). O segundo, apesar de passar a mesma informação (3 dias úteis para contestação), agiu de modo a evitar um rombo ainda maior, cancelando imediatamente o cartão e procurando tranquilizar o cliente anotando a ocorrência. O mais impressionante é que o prejuízo acabaria ficando para a própria operadora do cartão, pois facilmente o cliente teria como comprovar que as compras não foram suas.

Que lição podemos aprender com este caso? Este é mais um serviço pós-venda mal executado, pelo menos em sua largada. Só consegui uma solução “burlando” o sistema de acesso, usando uma opção que não era o caso (perda ou roubo do cartão). Enquanto os serviços pós-venda continuarem privilegiando “procedimentos padrão” mal escritos, com atendentes sem preparo e sem qualquer autonomia, em detrimento à solução de problemas de seus clientes, continuarão sendo campeões em reclamações dos clientes. Problemas sempre vão existir, não há processo infalível. Os clientes sabem disso, o que não aceitam (e nem podem) é a forma desatenta, desinteressada e até desleixada, com que o problema é tratado quando pedem “ajuda”. Isso, acima de tudo, se resolve com gestão!