Gestão, comando e controle ou engajamento e autonomia?

Antes de responder sobre a melhor forma de praticar gestão precisamos entender quais são seus objetivos. Toda empresa busca sustentabilidade e perenidade. Então, essencialmente são dois os objetivos a perseguir, garantir previsibilidade e ampliar a competitividade. Previsibilidade está associada a entregar o que foi planejado, obtendo resultados consistentes, mas só isso não basta à perenidade da organização. É imperativo buscar ganhos de competitividade, elevando o patamar de desempenho dos negócios, gerando e entregando cada vez mais valor às partes interessadas.

Para obter previsibilidade, entre as práticas fundamentais, é preciso executar processos bem delineados, medir os resultados e resolver problemas (resultados não alcançados). Isso passa pelo planejamento da rotina, uma execução metódica, avaliação de performance e ações corretivas.

Para alcançar ganhos de competitividade, no mínimo deve-se praticar a melhoria contínua (hoje também denominada de inovações incrementais) de processos e produtos, mas também promover inovações radicais surpreendendo os clientes atuais ou entrando em novos nichos ou ainda novos mercados. Para isso, é primordial estabelecer uma visão de futuro e definir iniciativas estratégicas que promovam mudanças nos negócios.

Com isso em mente, podemos voltar à questão sobre a forma de praticar gestão, em especial, pensando na equipe e suas ações. Afinal, um gestor não faz nada sozinho, é parte de um time. Esse time pode funcionar de modo mais impositivo e vigiado ou mais autônomo. A forma depende em muito da cultura empresarial e do perfil do gestor.

Cada organização tem sua cultura, por vezes deixada à própria sorte. Ela está lá no ambiente de trabalho, influenciando as atitudes e o comportamento das pessoas, sem que ninguém cuide da definição e disseminação de atitudes e comportamentos esperados. Esta é a pior situação, dificilmente uma boa prática de gestão acontece nesse ambiente. Vive-se um constante “apagar incêndios”, com alguns “bombeiros e heróis” esforçando-se para salvar o dia.

Algumas empresas, por perfil de seus fundadores e a descrença no comprometimento das pessoas, desenvolve uma cultura de comando e controle. Isto é o que ocorre num ambiente onde tudo precisa vir ou passar pelas mãos dos gestores, decisões vêm da linha de comando, a cobrança por ações e resultados é uma constante. Isso leva a uma forma de gestão onde é bem conhecido o ditado “manda quem pode, obedece quem tem juízo”.

Em outras empresas os executivos entendem o contexto, reconhecem que o ambiente de competição tem um dinamismo inerente, independentemente do que se faça. Compreendendo isso, estabelecem uma cultura onde o engajamento das pessoas com uma visão de futuro comum gera ações responsáveis e proativas. Há delegação de autonomia à equipe. O gestor se libera de estar sempre a ditar ordens e a par do que está acontecendo no dia a dia, podendo atuar muito mais como um mentor e um facilitador na solução de entraves ou problemas.

Numa cultura de comando e controle há mais tensão nas relações, exigindo um maior esforço do gestor para garantir que as coisas funcionem com fluidez e bons resultados. A falta de autonomia trava o time, que pode acabar sem coragem ou iniciativa para tentar tudo que seria possível para alcançar os resultados previstos.

Por sua vez, numa cultura onde o contexto é compreendido por todos, há amplo engajamento das pessoas com a visão de futuro. Consequentemente o time será proativo e disciplinado na aplicação das melhores práticas, das ferramentas adequadas a cada caso, dos métodos que facilitem as ações necessárias à busca de resultados no dia a dia.

Fica a reflexão: Com que forma de gestão sua empresa trabalha?

Feedback negativo ou educativo?

Quando se dá um feedback com o conteúdo certo e a forma adequada, argumentando com fatos e dados sobre o insuficiente desempenho ou inadequação comportamental  de alguém, inspirando-a a refletir sobre o que foi dito, faz-se uma ação educativa de grande valor.

Chamar este tipo de feedback de feedback negativo, como se evidencia nos registros clássicos sobre o tema, parece equivocado e conduz a um ambiente psíquico também não favorável ao desenvolvimento humano. Antes de tudo, a escolha cuidadosa de palavras é fundamental para ativar o melhor do imaginário das pessoas.

A estratégia de se começar com um feedback positivo não impede a pessoa de preparar-se pelo chamado feedback negativo, fazendo-a iniciar um processo defensivo, até mesmo inconsciente, devido ao que é ativado na mente com a palavra “negativo” incrustada, fatalmente, ao próximo feedback. 

Talvez, a origem da expressão feedback negativo relacione-se ao efeito emocional incômodo, inerente ao descuido da forma adequada de dizer o que precisava ser dito. Infiro que, historicamente, os  feedbacks  ficavam  à mercê do temperamento de quem os dava. Atualmente, basta observar as leis que emergiram para diminuir o problema de abuso de poder ou assédio moral, além da definição de valores organizacionais.

O que a pessoa que recebeu o feedback educativo fará com o que lhe foi oferecido, é livre arbítrio e, dependerá dela crescer ou enfraquecer o vínculo. O imprescindível é que além da forma correta, a intenção de quem dá o feedback educativo seja, fundamentalmente, o desenvolvimento do indivíduo, ele permanecendo ou não na organização.

Nosso “CHA” de cada dia

Competência, como se sabe, é uma conjunção de Conhecimentos, Habilidades e Atitudes – o famoso C-H-A.

c-h-aCONHECIMENTO corresponde ao saber. Esse vem com estudo, seja por meio de formação acadêmica, formação extracurricular (obtida, p. ex., em processos de certificações profissionais), autodidatismo (leituras, pesquisas), grupos de estudo, e outras formas de apreensão.

HABILIDADE é o saber fazer. Em qualquer área da atividade humana, é adquirida por meio da prática repetitiva, pela aplicação rotineira do conhecimento, com uso de criatividade e os ajustes necessários.

E, sem ATITUDE, o querer fazer, a predisposição para a ação, nem conhecimento nem habilidade acontecem.

Então, competência pode ser entendida como a base de criação e sustentação da excelência. Aristóteles, sabiamente, já disse “Excelência é uma habilidade conquistada por meio de treinamentos e prática. Somos aquilo que fazemos repetidamente. Excelência, então, não é um ato, mas, um hábito”. Está tudo aí, conhecimento, habilidade e atitude!

Focando em nossa área de interesse – a excelência em gestão, num ambiente organizacional –, é importante observarmos que de tempos em tempos surgem movimentos que tem como objetivo primordial o desenvolvimento, o aprimoramento e a ampliação de competências. Recentemente vivemos a era dos MBAs (ainda presente), estamos vivendo numa era das Certificações, outras eras certamente ainda virão…

Mas, mesmo com esses movimentos, que em sua essência trazem conhecimentos, uma questão fundamental que devemos nos fazer é: a busca por conhecimento, um dos vetores da competência, tem levado aos efeitos desejados?  Os resultados obtidos – o que realmente importa desta discussão – mudaram significativamente com a profusão de profissionais com MBAs e certificações, ou não? Ou os problemas das empresas permanecem?

De minha percepção, os problemas persistem, passando por processos mal desenhados e até ignorados, burocracia desnecessária, objetivos desencontrados, metas sem desafios, falta de clareza sobre prioridades, ausência de métricas sobre os resultados, causas recorrentes de situações indesejadas, arrogância e prepotência de gestores e especialistas frente aos clientes e aos problemas, e por aí segue.

Contudo, sempre encontramos ilhas de excelência, exceções à regra, e quando buscamos suas causas invariavelmente nos deparamos com profissionais com conhecimentos, com habilidades e com (muita) atitude, que fazem acontecer. Profissionais que dominam ferramentas e métodos essenciais, que sabem quando e onde aplicá-los, que tomam decisões sem medo de errar, que ousam com novas abordagens quando há espaço e necessidade para tal, enfim, que aplicam as boas práticas de gestão e fazem uso da criatividade.

Um dos pensadores sobre gestão expoentes da atualidade, Henry Mintzberg, costuma dizer que “gestão não se aprende em sala de aula, mas pela prática.” Trazendo isso para nossa discussão, o desenvolvimento de competências, o conjunto C-H-A, nós podemos entender que o conhecimento pode iniciar na sala de aula, contudo a habilidade e a atitude não! Então, diplomas de MBA e certificados, que demonstram que algum conhecimento foi adquirido pela pessoa que se submeteu à prova, são importantes mas não são suficientes. Ter o conhecimento (saber) por si só não implica querer e fazer, condições essenciais que conduzem à excelência na ação gerencial, consequentemente aos resultados almejados.

Como então gerar competências, alcançar a plenitude do C-H-A? Como chegar ao fazer (habilidade), a partir do saber (conhecimento) e do querer (atitude)? Num ambiente corporativo, isso está intima e indissociavelmente ligado à cultura organizacional. Essa deve ser tal que estimule a aplicação das boas práticas de gestão, permita o erro com a contrapartida do aprendizado, instigue a experimentação. Só assim se pode saborear o “CHA” de cada dia.

Caso da Casa de Grelhados: tempero lavagem estomacal!

Certo dia desses um casal de amigos convidou a mim e minha esposa para um almoço de confraternização. Diziam eles ter indicação de uma nova casa de grelhados, com um bom atendimento, um ambiente agradável e grelhados saborosos servidos à vontade na mesa. Agendamos o encontro…

grelhadosChegando ao local fomos recepcionados pela gerente da casa que nos convidou a entrar e escolher uma mesa. Era cedo, só havia uma mesa já ocupada, escolhemos um canto confortável com espaço adequado para quatro pessoas. Já instalados, a gerente nos perguntou se já conhecíamos a casa e, diante de minha informação de que era nossa primeira visita, nos explicou o funcionamento dizendo: há algumas opções de salada que são trazidas para a mesa e os grelhados, com cortes de carne de primeira, são servidos à vontade por garçons que circulavam entre as mesas. Ela então chamou um atendente, e nos deixou à vontade.

Pedimos bebidas ao atendente e liberamos o serviço dos grelhados. Rapidamente as bebidas e as saladas foram trazidas à mesa, logo a seguir vieram os grelhados. O primeiro corte trazido a nós, uma bela peça de vazio assada no espeto, aparentava estar bem suculento. Todos nos servimos de um pedaço. A primeira mordida confirmou uma carne no ponto certo, mas algo pareceu estranho a nós quatro, que nos entreolhamos e perguntamos mutuamente “Sentiram um gosto estranho?”. Era um gosto sutil, nada muito acentuado, mas diferente do esperado. A esposa do casal amigo foi a primeira a provar novo pedaço, agora bem pequeno, e disse “Isto aqui está com gosto de sabão!”. Para confirmar, também provei um pedacinho e confirmei o gosto de sabão.

Chamamos o atendente da mesa e, dizendo que havia um gosto estranho, solicitamos que retirasse os pratos com a carne servida e trouxesse outros limpos. Feito isso, chegou um novo pedaço de carne, uma picanha com aparência apetitosa. Novamente nos servimos, mas agora ressabiados com a experiência prévia, usamos o primeiro pedaço como prova. Para nossa surpresa, outra vez estava com gosto de sabão.

Chamamos a gerente, que prontamente nos atendeu. Explicamos a situação, que os dois primeiros cortes que nos foram servidos estavam com gosto de sabão. Ela nos olhou com ar de surpresa e, sem pensar, afirmou “Isso não é possível!”.  Em seguida afirmou que poderia ser um eventual problema de enxague dos pratos. Então, chamou o atendente, pediu que trocasse nossos pratos, antes tomando o cuidado de enxaguar bem os próximos, e disse que iria pessoalmente à cozinha selecionar um pedaço de carne especial para nós.

Feita a nova troca de pratos, a própria gerente nos trouxe outro pedaço de picanha, de uma peça diferente da anterior, e nos serviu. Pedimos a ela que aguardasse ao nosso lado, até provarmos. Ao fazer isso, novamente o gosto de sabão se apresentou. Informamos a ela, que ficou bem desconcertada, e disse “Não pode ser!”. Sugerimos a ela que provasse um pedaço. Ela pediu licença dizendo que iria até a cozinha verificar o que poderia estar ocorrendo, e solicitou que a aguardássemos. Ao retornar, logo em seguida, já veio pedindo mil desculpas confirmando que tínhamos razão e explicando o ocorrido.

Disse ela que ao abrirem a casa para os preparativos para o serviço do almoço, o assador – que também prepara os temperos – se apresentou tarde, e que isso vinha acontecendo há alguns dias. Diante disso ela chamou a atenção dele dizendo que isso não poderia mais acontecer, o que os levou a uma discussão. Em função desse ocorrido, o assador, por “vingança da bronca”, misturou um pouco do sabão de lavar louça (um tipo granulado fino, branco) ao sal de tempero dos grelhados…

O que podemos aprender com este caso? Este é apenas um episódio, mas puxando pela memória é fácil nos lembrarmos de relatos de pessoas que encontraram objetos e coisas estranhas em alimentos industrializados. Em situações – em particular em áreas de manipulação de alimentos e outras que possam trazer prejuízo à saúde dos clientes – que exigem alguma intervenção do gestor, é imprescindível tomar um cuidado especial com a forma de repreender o colaborador. Profissionais com problemas pessoais, sem um bom equilíbrio emocional, muitas vezes perdem a noção do certo e errado, das consequências de seus atos frente aos clientes, levando-os a tomar ações impensadas. Os gestores devem, antes de chamar a atenção de um colaborador – o que, no calor do momento, muitas vezes acontece de forma inadequada, na frente de outras pessoas, em voz alta, com agressões verbais –, procurar entender o motivo da falha (aqui, o atraso ao serviço). Se for o caso, devem procurar encontrar uma solução negociada para o problema. Claro que os gestores podem sim (e devem) chamar a atenção do colaborador, mas sempre de modo respeitoso ao ser humano independentemente da situação que levou a necessidade da repreensão – as pessoas precisam ser tratadas com respeito.

Liderar a si mesmo, antes de liderar outros

Compreender superficialmente os princípios de liderança é mais usual do que compreender profundamente os princípios da autoliderança. Este tipo de conhecimento ainda causa uma certa estranheza nos públicos mais seletos. Liderar os outros parece, ilusoriamente, mais fácil do que liderar a si mesmo, contudo a essência da liderança está na autoliderança.

Quem de fato lidera, primeiro lidera a si mesmo, gerenciando as próprias emoções e decodificando seus significados. O desafio do humano é a interpretação. E, o mundo subjetivo  mantém significados nem sempre conscientes, e por isso não compartilhados, gerando dificuldades nas inter-relações e frustrações veladas do profissional.

A função do autoconhecimento é favorecer a tomada de consciência de significados subjetivos que causam ruídos, ao invadirem a interpretação a ponto de compromete-la, qualificando a mente para fazer a devida correção, tornando o líder mais útil para servir ao coletivo.