Caso da Casa de Grelhados: tempero lavagem estomacal!

Certo dia desses um casal de amigos convidou a mim e minha esposa para um almoço de confraternização. Diziam eles ter indicação de uma nova casa de grelhados, com um bom atendimento, um ambiente agradável e grelhados saborosos servidos à vontade na mesa. Agendamos o encontro…

grelhadosChegando ao local fomos recepcionados pela gerente da casa que nos convidou a entrar e escolher uma mesa. Era cedo, só havia uma mesa já ocupada, escolhemos um canto confortável com espaço adequado para quatro pessoas. Já instalados, a gerente nos perguntou se já conhecíamos a casa e, diante de minha informação de que era nossa primeira visita, nos explicou o funcionamento dizendo: há algumas opções de salada que são trazidas para a mesa e os grelhados, com cortes de carne de primeira, são servidos à vontade por garçons que circulavam entre as mesas. Ela então chamou um atendente, e nos deixou à vontade.

Pedimos bebidas ao atendente e liberamos o serviço dos grelhados. Rapidamente as bebidas e as saladas foram trazidas à mesa, logo a seguir vieram os grelhados. O primeiro corte trazido a nós, uma bela peça de vazio assada no espeto, aparentava estar bem suculento. Todos nos servimos de um pedaço. A primeira mordida confirmou uma carne no ponto certo, mas algo pareceu estranho a nós quatro, que nos entreolhamos e perguntamos mutuamente “Sentiram um gosto estranho?”. Era um gosto sutil, nada muito acentuado, mas diferente do esperado. A esposa do casal amigo foi a primeira a provar novo pedaço, agora bem pequeno, e disse “Isto aqui está com gosto de sabão!”. Para confirmar, também provei um pedacinho e confirmei o gosto de sabão.

Chamamos o atendente da mesa e, dizendo que havia um gosto estranho, solicitamos que retirasse os pratos com a carne servida e trouxesse outros limpos. Feito isso, chegou um novo pedaço de carne, uma picanha com aparência apetitosa. Novamente nos servimos, mas agora ressabiados com a experiência prévia, usamos o primeiro pedaço como prova. Para nossa surpresa, outra vez estava com gosto de sabão.

Chamamos a gerente, que prontamente nos atendeu. Explicamos a situação, que os dois primeiros cortes que nos foram servidos estavam com gosto de sabão. Ela nos olhou com ar de surpresa e, sem pensar, afirmou “Isso não é possível!”.  Em seguida afirmou que poderia ser um eventual problema de enxague dos pratos. Então, chamou o atendente, pediu que trocasse nossos pratos, antes tomando o cuidado de enxaguar bem os próximos, e disse que iria pessoalmente à cozinha selecionar um pedaço de carne especial para nós.

Feita a nova troca de pratos, a própria gerente nos trouxe outro pedaço de picanha, de uma peça diferente da anterior, e nos serviu. Pedimos a ela que aguardasse ao nosso lado, até provarmos. Ao fazer isso, novamente o gosto de sabão se apresentou. Informamos a ela, que ficou bem desconcertada, e disse “Não pode ser!”. Sugerimos a ela que provasse um pedaço. Ela pediu licença dizendo que iria até a cozinha verificar o que poderia estar ocorrendo, e solicitou que a aguardássemos. Ao retornar, logo em seguida, já veio pedindo mil desculpas confirmando que tínhamos razão e explicando o ocorrido.

Disse ela que ao abrirem a casa para os preparativos para o serviço do almoço, o assador – que também prepara os temperos – se apresentou tarde, e que isso vinha acontecendo há alguns dias. Diante disso ela chamou a atenção dele dizendo que isso não poderia mais acontecer, o que os levou a uma discussão. Em função desse ocorrido, o assador, por “vingança da bronca”, misturou um pouco do sabão de lavar louça (um tipo granulado fino, branco) ao sal de tempero dos grelhados…

O que podemos aprender com este caso? Este é apenas um episódio, mas puxando pela memória é fácil nos lembrarmos de relatos de pessoas que encontraram objetos e coisas estranhas em alimentos industrializados. Em situações – em particular em áreas de manipulação de alimentos e outras que possam trazer prejuízo à saúde dos clientes – que exigem alguma intervenção do gestor, é imprescindível tomar um cuidado especial com a forma de repreender o colaborador. Profissionais com problemas pessoais, sem um bom equilíbrio emocional, muitas vezes perdem a noção do certo e errado, das consequências de seus atos frente aos clientes, levando-os a tomar ações impensadas. Os gestores devem, antes de chamar a atenção de um colaborador – o que, no calor do momento, muitas vezes acontece de forma inadequada, na frente de outras pessoas, em voz alta, com agressões verbais –, procurar entender o motivo da falha (aqui, o atraso ao serviço). Se for o caso, devem procurar encontrar uma solução negociada para o problema. Claro que os gestores podem sim (e devem) chamar a atenção do colaborador, mas sempre de modo respeitoso ao ser humano independentemente da situação que levou a necessidade da repreensão – as pessoas precisam ser tratadas com respeito.

Caso do test-drive: surpreendendo o cliente

Em uma de minhas trocas de veículo resolvi dar chance a outros marcas. Assim, dentre as que ofereciam modelos que iam ao encontro de meus interesses, optei por fazer test-drives, ou seja, usar o serviço de teste do veículo antes de decidir pela compra. Fiz uma escala de concessionárias a visitar e fui a campo. Era um Sábado, início da tarde, quando me pus a visitar as concessionárias. Já na primeira loja tive surpresas…

test-driveApós o contato inicial com um vendedor, seguido das apresentações formais, exposição de meu interesse, esclarecimentos sobre as características básicas e opcionais do veículo escolhido, solicitei realizar um test-drive.  Pronta e animadamente o vendedor confirmou a possibilidade e, pedindo licença, saiu para pegar a chave do veículo. Retornou em seguida entregando-a a mim e me direcionando ao veículo disponível para o test-drive.

Ao entrarmos no veículo, após uma breve explicação do vendedor sobre a posição dos comandos essenciais e outras questões de dirigibilidade, pus a chave no comando de ignição e a virei para a posição ligada, mas sem dar a partida ao motor. Nesse momento, olhando para o quadro de instrumentos, pude ver que o marcador do nível de combustível estava na reserva, o ponteiro praticamente nem se movera. E, também a luz indicativa de combustível baixo se acendeu. Alertei ao vendedor, que prontamente disse algo como “Não se preocupe, há combustível suficiente para darmos uma boa volta.” Eu ainda insisti em minha preocupação dizendo “Mas eu quero testar o desempenho, pretendo acelerar dentro dos limites permitidos, para ver como o motor responde.” Ele, reforçando o que havia afirmado, disse “Fique tranquilo. Podemos acelerar sem preocupação com o combustível.

Pois bem, liguei o veículo e saímos para o test-drive. O percurso padrão, formando um quadrilátero, tinha algo em torno de 3.000 metros. O trajeto iniciava com a saída da concessionária para logo em seguida virar à direita em uma avenida de terreno plano. Após percorrer uns 800m entrávamos em uma rua (sempre à direita), andávamos mais uns 600m chegando a um aclive acentuado com um semáforo na esquina, dando para outra avenida. Nessa segunda avenida, por mais uns 800m, o percurso era feito em forte declive levando para a avenida de retorno à concessionária. Então percorríamos essa terceira avenida, outros 800m, novamente em terreno plano, até a chegada à loja de onde havíamos partido.

Sem dúvida, que pelo trajeto, formado por três avenidas e praticamente quatro retas com 600 a 800m cada uma, dava para testar o motor. Porém, como fiquei preocupado com o nível de combustível, dirigi da forma mais econômica possível, sem acelerações bruscas, sem atingir velocidades superiores, sem poder testar o desempenho do motor como desejava. Mas, mesmo assim, de nada adiantou. A primeira surpresa (embora uma forte possibilidade esperada), foi que, ao parar no semáforo da rua em aclive, o carro simplesmente apagou. Tentei religar e nada, nem sinal de estar puxando combustível do tanque. Olhei para o vendedor e não pude deixar de dizer “Eu avisei!”. Contudo, não demorou nem um minuto e apareceram três rapazes prontos a ajudar, e já se puseram a empurrar o carro, logo posicionando-o na avenida à frente, um declive bem acentuado com um posto de combustíveis ao seu final, bastava deixar que a gravidade fizesse o resto, levasse o carro até o posto de abastecimento.

Chegando ao posto, nova surpresa, o vendedor disse “Eu estou sem minha carteira, a deixei na loja.” Como eu precisava voltar à loja, pois meu veículo estava lá, acabei pagando pelo abastecimento (evidente que exigi o ressarcimento imediato ao retornarmos). Nesse surpreendente trajeto de retorno, puxando conversa com o vendedor, perguntei como eles anunciavam test-drive se não havia combustível suficiente nos veículos. Ele, inocentemente ou não, afirmou “o problema é o Gerente Financeiro, que está buscando redução de custos e cortou os vale-combustíveis aos finais de semana.” Depois disso, falar o quê??? (em tempo: eu disse “inocentemente” pois ao tentar explicar a situação, esse vendedor expôs um problema interno de sua empresa, o que não deveria ter feito.)

Nem preciso dizer que o episódio simplesmente me fez descartar aquela marca de veículos de minhas opções. Talvez eu devesse ter descartado aquela concessionária, afinal o ocorrido era por questões de (má) gestão naquela empresa que, como a própria designação do negócio explicita, é uma concessionária da marca. Mas, como para qualquer cliente, é sempre difícil deixar de associar a marca em evidência com o fato ocorrido.

O que podemos aprender com este caso? Ficou evidente que havia um claro descompasso entre as gerências financeira e vendas, onde aparentemente a área de vendas não tinha autonomia sobre seu orçamento para a realização de test-drive, mas não abria mão de oferecê-los aos clientes. Esse é um exemplo típico de problemas gerados pela organização que tem forte foco na estrutura funcional, na gestão por áreas (dirigida ao atendimento das prioridades dos gestores), e não na gestão do negócio com visão sistêmica onde o que deveria ter prioridade é atendimento ao cliente. Se observarmos essa situação, oriunda da valorização demasiada da estrutura funcional (leia-se, de poder), levando à desconsideração sobre o que é importante para o negócio – a atenção aos clientes –, percebemos que ainda é fato muito comum em inúmeras organizações. As principais consequências não podem ser outras que não sejam a perda de negócios, a perda de clientes, levando a resultados ruins…

Caso do SAC: para que serve mesmo???

sacO SAC – Serviço de Atendimento ao Cliente – foi estabelecido para dar acesso aos clientes, particularmente, quando esses necessitam de uma solução para algum problema: um bem que apresenta mau funcionamento ou um serviço mal prestado. Não só para isso, mas também para eventuais esclarecimentos sobre o funcionamento do bem ou do serviço, que não ficaram claros na aquisição ou uso. Mas, em muitas situações, parece que as empresas encaram o SAC como um serviço de “afastamento” do cliente, uma tentativa explícita de fazer com que o cliente desista do acesso, se esqueça de sua reclamação… Vejamos, por exemplo, os seguintes casos:

SAC de uma Cia Aérea: você adquiriu uma passagem, mas por um motivo qualquer precisa alterar o horário do voo. Liga para o SAC, com essa intenção, e é atendido com uma mensagem padrão. Você então começa a ouvir informações sobre as quais simplesmente não quer ou precisa saber, algo do tipo: “Aproveite nossas ofertas desta semana, acessando nosso site www… Você pode realizar seu check-in pela web, com agilidade e sem precisar entrar em filas, bastando acessar nosso site e clicar em web check-in. Lembre-se de que para viagens nacionais você deve estar no aeroporto com uma hora de antecedência do horário do voo, e para viagens internacionais…” E assim segue até que, após diversos preciosos minutos de seu tempo e paciência, o sistema o encaminha para as opções de serviço disponíveis, onde você poderá selecionar a opção de atendimento sobre sua viagem.

SAC de uma Assistência Técnica: você tem um equipamento que apresentou algum defeito. Então, acessa o site do fabricante, procurando por um canal de assistência técnica, e encontra uma página onde pode deixar uma mensagem sobre seu problema com a promessa de um retorno com encaminhamento de uma solução. Lá você deve informar seus dados (nome, endereço, telefone, e-mail), dados do equipamento (modelo, local e data de compra,…) e registrar o problema. Faz isso, e ao clicar em enviar recebe a informação de que sua mensagem foi enviada e que alguém entrará em contato com você dentro de até 24 horas. Pacientemente aguarda as 24h, 25h, 30h, 48h, …, mas nada acontece, não há qualquer retorno. Então você volta ao site, procura por um telefone de contato e, se o encontra, liga informando o ocorrido, quando o atendente muito gentil, mas sem qualquer forma de encaminhar um atendimento técnico imediato (dado que o prazo de espera já venceu), o informa: “Entendo Sr.! Deve ter ocorrido algum problema com seu registro, mas já anotei tudo e peço que o Sr. aguarde até 24 horas para que alguém da assistência técnica lhe dê um retorno”.

Poderíamos citar diversos outros casos similares, pelos quais aparentemente o SAC foi desenhado para “afastar” o cliente do fornecedor. No primeiro caso, na mensagem padrão, a expressão “… economizando tempo e sem precisar entrar em filas…” parece um contrassenso na medida em que as informações apresentadas não solicitadas colocam o cliente em uma fila de espera por atendimento e o fazem perder tempo, ou não? Além disso, “Aproveite nossas ofertas…” é um evidente oportunismo da empresa, que faz uso indevido de uma ligação originada de um cliente, para tentar lhe vender algo antes de lhe dar atenção e priorizar a solução de seu problema. No segundo caso, mais uma vez lhe pedem 24 horas de espera… dá para confiar que dessa vez vão cumprir com o prometido?

Parece que para esses fornecedores, o cliente é encarado como alguém que atrapalha seus negócios, fazendo-os ter gastos com atendimentos que só tomam tempo e consomem recursos… A sensação que fica é a de que, afinal, como o produto já foi adquirido ou o serviço já foi prestado, o ganho do negócio já foi realizado, então tudo o mais é “custo” a ser evitado.

Outro aspecto altamente questionável dos SACs é sua aplicação indevida. Algumas empresas, aproveitando o contato de um cliente, fazem uso oportunista do sistema para tentar lhe vender algo, antes de priorizar a atenção e solução para seu problema, esse sim o real, e único, motivo de existência do serviço.

Independentemente da existência de Lei regulamentando a operação do SAC, com parâmetros de atendimento (acesso, celeridade, resolutividade, etc.) explicitamente definidos, as empresas deveriam encarar o SAC como um canal de franco relacionamento com o cliente e uma oportunidade de aprendizagem. Todo gestor, no sentido pleno do termo, sabe que processos (e, consequentemente, seus produtos – bens ou serviços) estão sujeitos a falhas, por mais bem desenhados que sejam e preparados que estejam seus executores. Então, entendendo isso, deveriam estabelecer o Serviço de Atendimento ao Cliente – este a razão de ser de suas organizações –, como um resoluto serviço ao cliente. Além disso, deveriam encarar o SAC como um canal de aprendizagem organizacional, uma fonte rica de informações para aperfeiçoar seus bens, serviços e processos. Fica a reflexão, “para que serve mesmo um SAC???”

Caso do Teste de Calce: percepção vs. qualidade

Em um dos projetos de consultoria em gestão que atuei, uma situação vivenciada deixou claro o quanto a percepção de cada pessoa influencia sua avaliação da qualidade sobre um produto. Vamos ao ocorrido…

O caso se deu em uma indústria de manufatura de calçados femininos para exportação. Estávamos trabalhando na padronização, com o objetivo de certificar seu sistema de gestão da qualidade segundo os critérios da norma ISO 9001. Certo dia discutindo o processo de avaliação (verificação) da qualidade dos calçados, com os modelistas, os responsáveis pelo desenvolvimento dos calçados, pude observar e criticar um dos métodos utilizados nessa avaliação, o chamado teste do calce.

Esse teste é exatamente o que parece, um teste de como o calçado veste (calça) no pé de uma pessoa. Para isso, nessa indústria e outras com as quais interagi, usam como avaliadora uma das meninas de sua própria operação. Importante observar que não é uma modelo (de pé), mas uma jovem que trabalha na empresa (muitas vezes na linha de produção) e que tem um pé com características (altura, largura, planta do pé, formato, etc.) dos pés das mulheres do país de destino dos produtos.

Sobre o uso de uma pessoa comum (e não um modelo, ou um especialista), já foi possível fazer algumas observações que, sem alguns cuidados, poderiam afetar sobremaneira a percepção da qualidade do produto. Para a realização desse teste de calce, sempre que havia a necessidade, chamavam uma das meninas que tinham o pé “padrão” (elas já estavam identificadas) diretamente de seu posto de trabalho para o teste. Qual o problema disso? Não havia qualquer cuidado com as condições do pé dessa pessoa. Não se dava atenção ao fato dela ter trabalhado por horas em pé, sentada ou caminhando, nem ao tipo de calçado que usava (tênis, sandália baixa, sapato de salto alto, etc.). Isso afeta a circulação, podendo deixar os pés inchados após algumas horas de trabalho, sem falar no cansaço físico e alterações na sensibilidade tátil. Ninguém havia se dado conta desses aspectos críticos, particularmente por estarmos falando de um teste que exige o uso de sensações táteis.

teste_de_calceOutra questão que levantei, sem que me dessem muita credibilidade num primeiro momento, é quanto ao fato de que a pessoa que faz o teste de calce não deveria ver o calçado antes de realizar a avaliação e fornecer sua conclusão. Como isso pode afetar o resultado? Nossa percepção sobre qualidade usa os cinco sentidos (visão, audição, olfato, tato e paladar), mas em geral não estamos conscientes disso. Claro que dependendo do produto que estamos avaliando apenas alguns dos sentidos serão utilizados. No caso do teste de calce, com certeza o tato, mas também a visão e até o olfato podem afetar a percepção do avaliador. Coloquei isso ao grupo, dizendo que ao ver o calçado e achá-lo bonito ou feio a avaliação do calce – cujo interesse se restringe a aspectos táteis – poderia ser comprometida. Mas me disseram que isso não acontecia. Então os desafiei…

Peguei um dos modelistas, fui até a produção, escolhi um calçado bem feio (na minha e na percepção dele, claro!) para por à prova minha teoria. Em seguida, voltamos ao local da avaliação e chamamos uma das avaliadoras (menina com o pé padrão) para realizar o teste do calce. Sem considerar a questão de como estariam as condições de seu pé, após quase um dia inteiro de trabalho em pé na linha de produção, solicitamos a ela que realizasse o teste. No procedimento até ali utilizado, isso consistia em que ela pegasse o calçado, o vestisse (calçasse), caminhasse em ida e volta por uma passarela de uns 10m e, então, nos dissesse como tinha sentido o calce. E ela disse: “O sapato está apertado nos lados e pegando no calcanhar, deixando o calce desconfortável.” É importante observar que, enquanto calçava o sapato e caminhava pela passarela, ela viu o calçado feioso (possuía umas penugens e outros penduricalhos muito esdrúxulos).

Na sequência, seguindo roteiro que eu havia preliminarmente combinado com os modelistas, solicitei a ela que me entregasse o par de calçados para que eu e um dos modelistas fossemos até a linha de produção trocar por outro par. Saí com o par de calçados nas mãos, junto com o modelista, demos uma volta pela produção, sem que eu tivesse soltado o par a qualquer tempo, e retornamos ao local do teste. Entreguei o suposto “novo” par a ela e solicitei que realizasse nova avaliação (teste de calce). Novamente, ela calçou o par, caminhou pela passarela, e nos deu sua avaliação: “Agora sim, este par está perfeito. Nem apertado nem folgado. Firme no calcanhar, mas sem machucar. Tem um bom calce.” Os modelistas se entreolharam surpresos…

O que podemos aprender com este caso? Quando se trata de qualidade, menosprezar a percepção de quem a esta avaliando é algo como deixar a avaliação ao sabor do vento. Isso decorre da subjetividade intrínseca a cada um de nós. As pessoas são diferentes, têm experiências de vida distintas, têm necessidades diferentes, possuem gostos diversos, etc., por isso mesmo têm percepções da qualidade bem particulares. Mas embora exista subjetividade nas percepções de cada um, em algum nível, isso pode e deve ser “controlado”. Por exemplo, no caso do teste de calce, primeiramente a avaliadora deveria ser preparada para o teste, deixando a ela alguns minutos de descanso para seus pés (o “instrumento” de avaliação), proporcionando-lhe um escalda pés e até uma massagem revigoradora. Em segundo lugar, não deveria ser permitido a ela ver o calçado antes de dar seu parecer sobre as condições do calce, pois sempre haverá o risco de ela não gostar/gostar muito do visual do produto levando-a a uma avaliação (percepção) da qualidade mais dura/permissiva a partir de um pré-conceito formado.

Este caso descreveu uma situação interna, que facilmente pode ser controlada. Imagine o que acontece quando estamos lidando com a percepção dos clientes, sobre os quais (supostamente) não temos qualquer “controle”… Não temos mesmo???

Caso do método de gestão: o PDCA já era!

Certa feita, em uma de minhas aulas, como professor em um curso de MBA em Gestão Empresarial, ministrando a disciplina Gestão de Processos, fui confrontado com a veemente afirmação de um aluno: “O PDCA já era!”. Mas isso me permitiu esclarecer algo fundamental. Vamos ao ocorrido…

A disciplina que ministrava, de 30 horas-aula, tinha seis aulas programadas. Tenho por hábito retomar a aula seguinte a partir de uma breve revisão dos temas abordados nas aulas anteriores. Como trabalho a disciplina Gestão de Processos tendo como método base o PDCA, a primeira coisa que faço nessas revisões é desenhar o ciclo PDCA no quadro, para então rever as práticas já discutidas nas aulas anteriores localizando-as no método.

Pois bem, numa dessas revisões, no quinto encontro com a turma, com menos de um minuto de aula, um aluno se manifestou do fundo da sala, em alto e bom som, dizendo: “O PDCA já era!”. Fez isso sem sequer pedir licença ou se apresentar, dado que era a primeira aula da qual participava (digo isso apenas para contextualizar o porque de sua afirmação apenas na 5ª aula).

No mesmo instante pensei: “Opa! Uma bela provocação… Vamos ver no que dá.” Discussões, sem preconceitos, sempre permitem ensino e aprendizado de alguma coisa, oportunizados pela troca de conhecimentos e experiências presentes nesse processo. Então, larguei o desenho do PDCA, me virei procurando pelo aluno e perguntei: “Por que você está dizendo isso?”. A partir daí a conversa se desenrolou mais ou menos assim:

(Aluno) Eu li um livro onde o autor afirma isso. Ele diz que o PDCA já era porque o ‘P’ vem de problema, e as empresas precisam parar de ter problemas.

(Professor) Pode me dar o nome do livro? Pretendo acessá-lo para entender melhor o que está colocado ali.

(A) Não lembro.

(P) E o nome do autor, lembra?

(A) Também não. Mas concordo com ele que o PDCA já era.

(P) Certo, não é importante agora saber qual é o livro, mas sim esclarecer essa questão. Primeiro é preciso entender que problemas acontecem e continuarão acontecendo, mesmo com os melhores processos em ação; isso se deve a uma questão intrínseca à natureza, a variabilidade. Dito isso, como não conheço o contexto geral em que o referido autor coloca a afirmação sobre o PDCA, vou fazer uma inferência…

A partir daí comecei a explicar o que percebi há já algum tempo, que existe uma confusão no mundo dos negócios sobre o PDCA. Uns, sejam gestores que o aplicam, consultores, professores, estudiosos do assunto, etc., o entendem como um método de gestão, um ciclo de controle de processos. Outros o entendem como o Método de Análise e Solução de Problemas (conhecido pelo acrônimo MASP). O primeiro entendimento é o que chamo de visão ampla do PDCA, da qual compactuo. Ao segundo entendimento entendo como uma visão restrita, embora correta, do PDCA. Esclarecendo…

ciclo_pdcaNa visão ampla, como um método (ciclo) de gestão, partimos do ‘P’ (de Plan) etapa onde se devem planejar as metas e os meios (processos) que permitirão sua realização. Na etapa seguinte, no ‘D’ (de Do), passamos à fase de execução dos processos, não sem antes educar e treinar os executores nos mesmos. Avançando para a etapa do ‘C’ (de Check) são feitas as avaliações dos resultados alcançados em comparação com as metas planejadas. Se tudo estiver bem (resultado = meta) deve-se continuar a execução (D) conforme planejado, mas caso haja discrepâncias, passamos a etapa do ‘A’ (de Action), na qual se buscam as causas dos desvios (das metas) e sua eliminação.

pdca_do_maspPara a execução da etapa ‘A’, no PDCA de gestão, deve-se adotar um método. Aqui entra o MASP ou, como querem alguns, o PDCA com visão restrita. É importante observar que um método, com etapas sistemáticas, como o MASP, é um tipo de processo. E, como qualquer processo, pode ser “encaixado” no PDCA. Daí surgiu a visão restrita! Qualquer solução de problemas consistente deve ser (P)lanejada, executa(D)a, (C)hecada quanto a seu resultado e, quando efetivo, ter o processo que provocou o desvio (A)perfeiçoado. Assim, a etapas do MASP, encaixadas num PDCA, são: no (P), 1. enunciar o problema, 2. observar seus efeitos, 3. analisar as causas, 4. planejar a solução; no (D) 5. executar a solução; no (C), 6. verificar a efetividade da solução adotada; e no (A), 7. aperfeiçoar o processo padronizando a solução encontrada e 8. concluir.

Com isso, esse aluno, que claramente fez uma provocação, criou uma ótima oportunidade para esclarecer algo importantíssimo quanto ao PDCA. É melhor encará-lo como um método de gestão e, assim, aplicá-lo também à solução metódica de problemas, do que o entender e usar simplesmente como um método para solução de problemas.